segunda-feira, 11 de junho de 2012






A  ÉTICA  DA  FLORESTA 
E O ESPÍRITO DAS ECONOMIAS CRIATIVAS


Vivemos uma crise civilizacional.
O progresso e o crescimento econômico não tem conseguido deixar a sociedade mais justa e mais feliz.
Bilhões de pessoas continuam passando fome e, mesmo as pessoas que são ricas, continuam ansiosas e infelizes. O consumo desenfreado e a disputa egóica por pequenos objetos “mágicos” de consumo (carros, roupas, etc..)  não tem conseguido gerar felicidade sequer para os milionários.  Surgem novas doenças individuais e coletivas. A ansiedade celular gerou o câncer, a ansiedade social gerou a violência urbana e o trânsito. Toda essa ansiedade junta pode nos levar a um cataclismo ecológico. Tudo isso são tragédias democráticas que atingem ricos e pobres. Estamos num momento aonde já percebemos que temos duas opções: ou damos uma parada para respirar ou vamos morrer de ansiedade. E matar todo mundo. Literalmente, infelizmente. E, as vésperas da Rio + 20 e em pleno 2012 já ficou claro que temos que parar agora. E pensar na vida.

Acima de tudo nós temos que descobrir, fortalecer e irradiar uma nova ética, um novo modo de ser e estar no mundo.  Mais do que uma pauta que disputa a prioridade com outras “Pautas Sociais” a ecologia é uma nova forma de ver o mundo, uma nova cultura e uma nova ética. Um bom nome para essa nova ética é Ética da floresta. Outros nomes possíveis são Ética Xâmanica, Ética das Redes ou do Rizoma. Podemos escolher ou inventar um novo.

O importante é que essa nova Ética já existe e esta difundida muito além do movimento ecológico. Ela está presente nos coletivos artísticos, nas redes de cultura digital, em instituições que se reinventam e se tornam radicalmente democráticas, em novos modelos de gestão para organizações religiosas, em ONGs, em movimentos sociais e, até mesmo, em novos modelos de organizar as empresas e revolucionar as corporações capitalistas de todas as áreas produtivas. Essa nova ética já esta sendo aplicada na prática e entender como ela funciona serve para trazer a consciência suas características, permitindo agilizar sua expansão. Todos os encontros, debates, vivências  ajudam a descobrir, conceituar e  irradiar essa nova ética. Descobrir é a palavra certa, pois ética não se inventa na mente. Ética se pratica primeiro e se conceitua depois.
            A boa notícia é que essa nova ética é também uma tendência econômica e ela esta diretamente ligada ao Espírito das Economias Criativas.
Como Weber demonstrou em seu ensaio clássico a Ética protestante era adequada ao Espírito do Capitalismo.Da mesma forma, a Ética da Floresta é adequada ao Espírito das Economias Criativas.  E é essa economia criativa é que vai superar os limites do capitalismo e permitirá o surgimento de uma sociedade mais livre, justa e feliz.  Sim, mais feliz.
E sim, é fato! Temos que respirar e admitir: nós temos uma nova Utopia! E é uma Utopia que já esta se tornando real na prática de muitos grupos e que temos que ter a coragem de difundi-la. E essa nova utopia, como toda boa utopia, dissolve pequenos conflitos e recria antigos conceitos, descobrindo um novo caminho a ser seguido. Continuamos sem saber aonde chegar e gostamos disso.  Mas agora podemos voltar a ter um caminho.
Para entender melhor tudo isso vamos conceituar a relação entre ecologia, cultura e ética e listar as características da Ética da Floresta. Ao final voltaremos para discutir de que maneira essa nova ética favorece o crescimento da Economia Criativa.


A  necessária aproximação entre cultura e ecologia

A cultura e a ecologia tem comum o fato de não poderem ser apenas “setores” da sociedade. Mais do que um setor da “luta” social a ecologia é justamente uma forma sistêmica de ver o mundo. Ela não pode ser um “setor” (ou segmento) justamente porque é baseada na percepção de que tudo está interligado e de que não existem setores isolados. A ecologia é também a visão de rede rizomática muito debatida nos movimentos de cultura digital. Por isso a ética da floresta e a cultura digital são tão parecidas e são, na verdade, a mesma coisa: pois ambos percebem que tudo esta conectado a tudo! A ecologia já é muito mais que um movimento reivindicatório político e está se tornando uma nova cultura que propaga uma nova ética: a ética da Floresta.

Mais do que um Ministério pequeno da Esplanada a Cultura é algo que deve perpassar todas as ações de um governo e de uma sociedade. A cultura é quem dá o amálgama de todas as coisas, é quem pauta o comportamento cotidiano, orienta nossa vida. Com a ecologia tem que ser igual. A ecologia tem que ser mais que ações bem intencionadas para maquiar catástrofes ecológicas provocadas por uma ética capitalista contrária a ecologia.  A ecologia tem que ser preventiva e ir além de fazer remendos. Temos que atacar a doença e não apenas minimizar os sintomas. Temos que atacar na cultura e no modo de vida. A ecologia tem que estar incorporada a nossa forma de viver, a nossa ética, a nossa cultura. Temos que viver na Ética da Floresta.

A cultura e a ecologia tem que se aproximar imediatamente e de forma definitiva. Ambos são secundários no modelo atual de civilização, pois ambos são opostos a visão capitalista de desenvolvimento. Pessoas felizes são menos ansiosas, consomem menos e consomem melhor.  E para além de nossa ansiedade por desenvolvimento econômico temos que admitir que o mundo precisa dar uma respirada e parar para ouvir uma musiquinha. Cultura, arte, criação e adoração da vida em todas as suas formas. Esta aí uma boa pauta para ser ecológico sem ser ecochato.


Porque Ética? E como é viver em rede?

Quer queira, quer não o ser humano está “condenado” a viver em rede. Então é aproveitar e curtir essa onda.  E nessa onda está a ética.
A ética é quem dá a liga para nossa atuação social. O ser humano tem livre arbítrio, mas toma suas decisões cotidianas a partir de sua ética.  A ética é tipo o software (ou o sistema operacional, o DOS) que instalamos em nosso computador/cérebro para orientar nosso comportamento cotidiano. É a ética que estabelece nossas prioridades e nossos limites e, dessa forma, orienta nossas decisões. Se tivermos uma ética inadequada seremos infelizes e tomaremos decisões equivocadas.  Temos que usar nosso livre arbítrio para além das pequenas decisões de consumo que a ética Capitalista define como liberdade. Liberdade para mim é mais que escolher entre duas marcas de carro caríssimas que eu compro me endividando no banco. Liberdade pode ser escolher andar de bicicleta e viver sem dívidas.
Temos que usar nossa liberdade também para escolher uma nova ética, um novo sistema operacional para nosso cérebro. E podemos optar por uma ética mais adequada aos tempos atuais e uma ética que nos tornará mais felizes.
Essa nova ética é a ética da Floresta, ou a ética xamânica, ou a ética das redes rizomáticas. E o melhor de tudo é essa ética é a Ética mais adequada à nova era das economias criativas.

Ética da Floresta x Ética Capitalista

Vamos listar rapidamente as diferenças entre Ética da Floresta e Ética Capitalista.

            Xamanismo é fogo.  A Ética Protestante busca a estabilidade, busca o eterno, busca as mensagens gravadas na rocha. A ética xamânica é a ética do fogo, que queima e transmuta, é a ética do “seja eterno enquanto dure”.  Viver na ética da Floresta é saber lidar com a morte (simbólica, real,etc..) e com o desapego (de funções, do poder, de tudo). Só quem tem desapego consegue correr os riscos necessários para viver a verdadeira inovação permanente. Xamanismo é uma ética nômade que tem desapego pelo passado e que aceita e valoriza a mudança que ocorre no presente.

Ética Protestante é também a Ética da Razão. Por isso, ela valoriza a racionalidade, busca de uma totalidade organizada, uma ordem. Quer sempre chegar a totalidade e ao definitivo.
A Ética da Floresta esta sempre procurando criar a ordem a partir do caos. A ética da Floresta não nega a racionalidade. Mas a considera apenas como uma das ferramentas que podemos usar para sobreviver na selva. Uma ferramenta que funciona em certas situações, mas não funciona em outras. A Ética da Floresta nos prepara para trabalhar com um mundo menos “organizado” e mais complexo, aonde temos que lidar com mais variáveis simultâneas.  Por isso, apesar de curtirmos a razão e a usarmos sempre que é possível, não temos completa fé em nossa capacidade de realmente racionalizar o mundo. É por isso que é necessário valorizar a intuição.

Ética da Floresta vive num mundo que admite não ter limites definidos e que durará toda uma eternidade sem fim. Quem vive na Ética da Floresta não acredita totalmente na totalidade e aceita o fato de que vivemos em expansão permanente. Por isso, a Ética da Floresta lida melhor com o novo. Quem vive na ética da Floresta não tem medo do caos, entende que o caos é criativo. Mesmo quando é destrutivo, o caos é criativo. Quem vive na Ética da Floresta vive botando ordem no caos,  mas adora o novo que destrói a “ordem”. Não tem apego pela “ordem” perfeita, sabe que a ordem para ser perfeita tem que mudar permanentemente.  A ética Protestante capitalista é a arte clássica e toda organizada, a arte da Floresta segue os princípios do Barroco, como a modularidade e a diversidade.
Selva para o racionalismo é sinônimo de barbárie. Ele vivia na selva. Para o xamanico a selva é o sinônimo da diversidade divertida e criativa do mundo.
Quem vive na ética da floresta adora paradoxos.  O texto acima esta cheio de paradoxos. Quem vive na ética da floresta sabe que só o paradoxo pode dar conta da complexidade da vida, e só o paradoxo permite que a linguagem não aprisione o movimento do mundo.

Quem vive na ética Protestante e racional quer chegar a verdade eterna. Quem vive na Ética da Floresta sabe que a verdade existe, mas está em eterna mudança. Quem é vive na Ética da Razão quer aprisionar a verdade na jaula de sua mente, enquanto quem vive na ética da Floresta quer ver a verdade correndo tal como um lindo bicho solto. Adoramos a verdade, mas jamais tentaremos prendê-la e fixá-la.

A Ética da Floresta é a ética da cooperação.  A ética capitalista é a Ética da competição. Para a complexidade do mundo hoje é cada vez mais necessário a criação de projetos que tenham diferentes expertises e inteligências, muitas vezes feitos por várias empresas e instituições atuando em conjunto. Quem fica preso a ética da competição acaba perdendo a “disputa”. Ganha quem sabe cooperar. No mundo de hoje, vence quem não está jogando. Também nos trabalhos criativos é cada vez mais comum a percepção da inteligência coletiva (conceito usado por Pierre Levy), que surge num coletivo de seres humanos e é muito maior que a soma de todas as partes. Isso é visível em qualquer ritual xamânico e em qualquer grupo de criação coletiva. Para efetivar projetos complexos que conseguem sucesso é necessário o surgimento dessa inteligência coletiva e ela só surge em ambientes colaborativos e não competitivos.


Ética Capitalista é baseada em Organogramas produtivos e funções rígidas. O problema é que isso não tem contemplado a rapidez de mudança do mundo atual.
Ética da Floresta preza por estruturas e organogramas complexos e em permanente transformação. Quem vive na ética da floresta pensa o mundo como rizoma e tem consciência que todos os pontos se ligam a todos os pontos. Não que consigamos isso em absoluto (isso seria ser totalmente natural), mas valorizamos a complexidade e a horizontalidade dos organogramas. Na verdade, para quem vive na ética da floresta fica um pouco estranho imaginar um organograma 2 D em forma de pirâmide hierárquica eterna, tal qual eram os organogramas da era fordista. Não que não exista liderança. Mas a liderança é por projeto, por missão e pode mudar a qualquer momento. Alguém pode liderar um projeto e ser liderado no outro. Ou mesmo no mesmo projeto pode mudar rapidamente a liderança. Isso tudo é mutável e se transforma mais rápido. Um projeto orientado pela ética da Floresta é como uma verdadeira aventura de sobrevivência na selva. Para sobreviver tem que ter foco, liderança e atuação de todos os talentos individuais em funções específicas. A liderança é mais um maestro, mas cada um tem que ter sua total autonomia criativa para criar soluções a cada instante. Não há espaço para líderes egóicos e apegados ao poder. Um instante pode levar a tragédia e um grupo de sucesso está conectado e sabe dar o poder ao líder exato naquele momento específico e destituí-lo assim que necessário. Aliás,  nem precisa destituir pois o próprio líder aceita que tem que passar a liderança para o outro. A liderança da ética da Floresta é a liderança que torna todos líderes de si mesmo.

A ética racional e protestante que permitiu o espírito do capitalismo prima pela exploração racional da Natureza. É o Robison Crusoé que vira náufrago e não tem um momento de fruição estética e diálogo. Ele apenas elabora um plano bem sucedido para usufruto dos bens materiais da natureza, incluindo o índio que ele consegue convencer a servi-lo como animal doméstico.
Já a Ética Xamânica da Floresta é a ética do Diálogo com a natureza.  Tudo é diálogo, é conversa. Você pode matar um bicho, mas tem que pedir autorização. Você sabe que sua ação interfere e age no mundo como um visitante educado. O protestante se acha dono de tudo, o xamânico sabe que ele é visita. O xamânico tem, portanto, cuidado em não destruir a casa alheia.  A Ética Xamânica acha estranho a própria apropriação privada e eterna da terra. É a ética do usufruto, o mundo é seu, desde que você use bem e deixe a casa arrumadinha para o próximo condômino.  É naturalmente ecológico.


 Ética da Floresta é a ética do dialogo permanente. Por isso o plano existe mas se transforma. Pois antes do plano tem o diálogo. Antes da idéia fixa existe os seres humanos. A realidade. A ética da floresta exige uma diplomacia eterna, usa a antropofagia como diálogo com o diverso, como forma de se misturar a diversidade. A transformação também ocorre no indivíduo que esta aberto a se transformar. A identidade é baseada na alteridade, está mais para um devir do que para um ser.


A Ética Capitalista tem medo do futuro. Por isso acumula, guarda recursos. 
A Ética da Floresta tem fé no presente e fé no que a natureza pode lhe dar. A natureza inclui os seres humanos, sua comunidade, sua tribo. A natureza oferece uma rede de proteção que inclui, por exemplo, atendimento de saúde gratuito com o pajé, alimentação permanente, etc... A comunidade é maior que a família , é a aldeia, a família extensa, a vasta rede de primos e amigos que dão amparo e permitem a sensação de segurança. Isso somado a abundância de recursos naturais permite que um índio típico literalmente curta a vida sem medo exacerbado do futuro.
É claro que hoje não vivemos mais na Floresta e podemos e queremos ter nossos bens. Ainda mais que dentro da sociedade capitalista essa rede de proteção comunitária nem sempre funciona ou funciona de forma muito restrita.
No entanto, a Ética da floresta aplicada a vida urbana já começa a inverter a polaridade da ética capitalista. No capitalismo tem mais prestígio quem acumula mais bens, mesmo se viver de forma ascética (é a fábula da formiga). A ética da floresta começa a valorizar quem doa e quem promove a abundância ao seu redor. Tem mais prestígio na sociedade quem mais doa, não quem mais acumula. A doação pode ser em tempo, serviços, conhecimento, talentos ou dinheiro. O importante é que o princípio da doação se sobrepõem ao do acúmulo. É a lógica do ‘kula” analisada pelo antropólogo Malinowski no livro  “Os Argonautas do Pacífico ocidental”.  O kula  é um sistema de trocas circular, místico e sem noção de posse permanente e foi usado como uma das inspirações do Movimento Gnu, um movimento pioneiro nos debates sobre cultura digital e que foi importante também no desenvolvimento do Sofware livre. Mais tarde essas idéias orientaram também a criação de licenças como a Creative Commons.  Evidentemente que nos dias de hoje não precisamos ter o “kula” como única forma de troca. Hoje uma mesma pessoa pode , em diferentes momentos, orientar seu “modelo de negócios” de forma diferente. Temos que lembrar que o coletivo não pode ser imposto ao indíviduo e ter direito autoral e patrimonial sobre obras de sua autoria é um valor básico, um direito humano. Mas o simples fato de termos hoje a opção estratégica de doar, de ter modelos de negócios que incluem a doação de direitos até mesmo como estratégia de marca, e de termos inúmeros casos de sucesso que vieram de modelos de licença mais abertos, mostra como a Ética do Acúmulo infinito não é mais hegemônica. Quem vive na ética da floresta tem que saber a hora certa de doar a rede e a  hora certa de ficar com os bens para si e não deve nunca acumular exacerbadamente.

Eu poderia seguir fazendo comparações infinitas, mas acredito que essas comparações já dão uma idéia das diferenças e nos permitem avançar para entender como a Ética da Floresta permite o surgimento das economias criativas.

Como a Economia Criativa pode superar o Capitalismo e conquistar o mercado

O curioso é que, enquanto o capitalismo entra em crise, surge dentro dele mesmo os embriões de nossa cura. Cada vez mais a criatividade é um ativo em todas as áreas do conhecimento e da economia. Inovação virou uma palavra chave e os inovadores conquistam o mercado.  E a criatividade surge com mais vitalidade em ambientes que propiciam seu desenvolvimento.
Esses ambientes são ambientes mais democráticos e menos ditatoriais; Ambientes que valorizam a diversidade e a individualidade e que entendem que o caos antecede a criação. Que conseguem criar coletivos que permitam o desenvolvimento dos talentos individuais.
Empresas, instituições e projetos organizados de forma mais democrática começam a ganhar o mercado das empresas menos centralizadoras e menos criativas. Autores como Domenico de Mais (“A Exceção e a Regra”, “O ócio criativo”) dão consultorias para grandes corporações discutindo modelos de gestão que permitam o surgimento da inovação.  Uma empresa como a “Pixar” (criadora de Toy Story) é um exemplo de empresa organizada de forma a permitir o surgimento da criatividade. A Pixar reinventou a animação para crianças e fez um imenso sucesso no mercado, chegando a ponto de comprar a “Disney”.  Sansão comprou Golias. O livro “A nova novidade” (de Michael Lewis) narra outro exemplo, agora a aplicado a indústria de Softwares, narrando a vida de Jim Clark, fundador da Netscape e que se notabilizou por criar pequenos grupos criativos que conseguiam superar a inovação e ganhar mercado da imensa corporação de Bill Gattes (Microsoft). 
Esses são alguns poucos casos entre milhares de outros possíveis. O que ocorre em empresas também ocorrem em movimentos sociais. Uma rede como o Fora do Eixo, organizada de forma coletivizada,  consegue sucesso distribuindo bandas alternativas, criando um mercado de cauda longa e um novo circuito paralelo que prescinde totalmente da corporação de mídia.  Alguns desses sucessos chegam até o mainstream, realimentando e inovando o mercado.
 Se isso crescer ainda mais teremos uma verdadeira revolução libertária. Eu arriscaria até mesmo dizer que teremos A VERDADEIRA revolução libertária. E o que começa no campo da cultura pode chegar a todas as áreas. No dia que consumidores escolherem livremente por produtos agrícolas orgânicos que só existem se cultivados em pequenas propriedades e de forma mais artesanal haverá a necessidade econômica de uma reforma agrária. Não precisará sequer de invasões de terras, pois o modelo econômico da pequena propriedade ganhará a disputa de mercado com o modelo econômico da grande propriedade. A revolução agrária, portanto, começa na mesa de jantar de sua casa. No dia que mais coletivos artísticos conseguirem criar obras artísticas que agradem o público mais do que as obras produzidas de forma industrial iremos vencer as corporações de mídia. Vencer naturalmente.  No dia que um jornal produzido de forma cooperativada por jornalistas independentes e livres conquistar o mercado dos jornais produzidos por grandes corporações de mídia teremos a Democratização da Comunicação.  No dia que divulgação boca a boca das redes de internet e redes físicas suplantar a divulgação de massa das corporações televisivas deixará de existir a indústria cultural.  Não precisaremos sequer combater e tentar destruir as corporações de mídia. Basta sermos felizes e criativos, fortalecendo as redes mais rizomáticas. Ambos os movimentos já estão acontecendo no dia a dia. Os grandes ataques contra as corporações capitalistas que acumulam capital não estão vindo do ataque frontal a elas. Os grandes ataques dos últimos anos vieram  da ação afirmativa de pessoas que começaram a criar novos mercados que funcionam de forma mais democrática. Como exemplo, podemos citar as redes de cultura digital.

Por estranho que possa parecer para socialistas mais tradicionais é no ambiente do mercado que o capitalismo começa a ser vencido. A revolução começa na forma de organizar as instituições (empresas, coletivos, etc..) que ganham o mercado.
A economia criativa que acredito é essa. Não é o capitalismo tentando gangsterear o conceito de Economia Criativa para “dominar” a criatividade, fixar patentes e roubar criadores. O capitalismo pode tentar, mas não conseguirá. Chegou a era da verdade e da consciência, não tem mais como aprisionar criadores.  A economia criativa que acredito é uma economia aonde os criativos são conscientes de seu poder e se organizam em instituições (empresas, ONGs, redes, etc..) mais democratizadas. E, porque não dizer, em empresas socializadas. É uma economia que supera o problema do capitalista que detém os meios de produção. Pois afinal, os "meios de produção" que interessam hoje são nossas mentes criativas. E, se eu realmente tiver consciência, não há capitalismo que possa prender minha mente.  A economia criativa que defendo é baseada na democratização radical que vai além da representativa e do voto e chega as todas esferas da organização social: as empresas, ONGs, gestão do estado, igrejas, etc...
A Ética da Floresta  é mais apropriada ao desenvolvimento dessa nova Economia Criativa. E como isso resolve o dilema em criar uma sociedade mais feliz e mais harmônica que valoriza seres humanos e natureza. Que seja ecológica sem negar o ser humano, que valorize a natureza sem esquecer que o homem é parte dela.



Uma nova utopia
           
            Precisamos de uma nova utopia. É a utopia quem dá o caminho a ser seguido. É a utopia que nos une e nos dá uma visão e um novo rumo. As utopias mudam o mundo e tem a força de efetivar grandes transformações.
            Nossa crise atual é decorrente da vergonha em ter novas utopias. Depois da distopia comunista o mundo ficou com medo de sonhar. Mas o medo já passou. Chegou a hora de sonhar de novo.
            Como diz Garaudy vivemos no “Monoteísmo do Mercado”. A solução que ele encontrou foi radicalmente oposta, o islamismo. A nossa pode ser outra, uma ética mais democrática, criativa e ecológica: a ética da floresta.
O capitalismo já foi uma utopia e, por isso, conseguiu mudar o mundo.  A ética protestante e o capitalismo trouxeram avanços em determinado momentos históricos. Permitiu, por exemplo, as navegações e o acúmulo de capitais para importantes pesquisas cientificas.  No entanto, já há um bom tempo, o discurso da liberdade no mercado começou a ser aprisionado pelas mesmas energias gangsteres e escravocratas que tentam se apoderar de todos os discursos. O capitalismo utópico de Adam Smith sonhou com um mercado livre e auto regulado por seres humanos livres. Mas sua utopia se transformou numa distopia, aonde os seres humanos ficaram presos aos interesses de algumas mega corporações que detém a “propriedade sobre os meios de produção” ou, para ser mais contemporâneo, a propriedade abstrata sobre o dinheiro acumulado no mercado financeiro.

O socialismo foi outra utopia e seus ideais também foram aprisionados por energias gangsteres e escravocratas. O absurdo foi tamanho que o comunismo chegou a ponto de promover uma “coletivização” forçada por uma ditadura.  O discurso da coletivização foi usado como argumento para Stalin matar milhões de camponeses russos, no que se convencionou chamar de “coletivização forçada" da agricultura.  Hoje todos sabemos que não existe socialismo sem liberdade e o coletivo não pode opor-se ao indivíduo. Ao contrário, o coletivo tem que existir para potencializar os indivíduos.  Ser for para escolher entre coletivo e liberdade individual a escolha é sempre a liberdade individual. A liberdade individual é o valor maior, mas os seres humanos espertos percebem que é legal viver experiências coletivas. É na comunidade que o individuo se potencializa. Mas coletivização forçada é obviamente uma contradição em si, mais um exemplo de ideal  distorcido.

Hoje, no entanto, estamos corrigindo os erros e estamos colocando em práticas o melhor das utopias. Vários coletivos artísticos se espalham pelo mundo reinventando o modelo de produção e criação e disputando o mercado de consumidores livres com as corporações. Temos condições de ter liberdade, igualdade, fraternidade e uma sociedade mais justa e inclusiva. Tudo isso se efetiva numa só palavra: democracia. Mas é claro que uma democracia muito além da democracia representativa do sistema político. Falamos de uma democracia radical que se efetive em todas esferas, inclusive na esfera econômica.
Chegou o momento de lutarmos novamente por nossa liberdade. Chegou o momento de nos liberarmos da escravidão espiritual dos desejos capitalistas animalescos que inventamos para nós mesmos.  E da escravidão espiritual de nossos desejos egóicos de poder ditatorial.  Chegou a hora de conquistarmos nossa alforria e aprendermos a alegria de viver num mundo repleto de pessoas livres.

E a utopia já esta acontecendo. Em oposição ao desespero do capitalismo exacerbado muitas pessoas começam a almejar e a viver uma vida mais sustentável, mais equilibrada, mais bela e mais em paz. Muitas dessas pessoas vem a décadas organizando experiências sociais diferenciadas, criando novas éticas e novas instituições, que podem servir de exemplos a serem multiplicados (e retransformados, um dos princípios da ética xamânica é a transformação permanente) em outras instituições e outros grupos. A questão agora é unificar essas experiências em uma narrativa que ao mesmo tempo tenha identidade e permita a diversidade.
E essa utopia deve ser universal. Não pode servir apenas aos grupos independentes, tem que servir a todos. O socialismo quando surgiu não era classista, apenas para uma classe: ele sonhava um mundo melhor para todos. Os ecologistas sempre foram assim, mas poucos dos que trabalham com cultura entenderam que seu ideal é para todos. Não falamos de cultura apenas para quem faz arte. Falamos para todas as pessoas que querem viver melhor, numa cultura mais humana. Não falamos de novos modelos de produção que possibilitem a criatividade apenas para quem trabalha em coletivos independentes. Falamos de como esses novos modelos podem recriar até mesmo a vida de quem trabalha para grandes corporações.  Uma utopia, para ser realmente utópica, tem que ter a pretensão de incluir todos os seres humanos e resolver os dilemas de todos. Só assim o mundo ela tem forças para transformar o mundo.

Tudo isso vem de uma nova ética, uma ética que criará um mundo mais belo e mais pacifico.
A beleza já existe.Ela esta na diversidade do mundo e da natureza. Só quem reconhece a beleza que já existe pode criar mais beleza. Só quem agradece a natureza recebe dela a autorização para recriá-la sem destruí-la. Tal como acontece na cultura indígena tudo começa no diálogo com a natureza. E vale lembrar que a natureza inclui os seres humanos. Tudo começa no diálogo.
A paz vem do diálogo. O diálogo vem do não-julgamento.  Tudo isso vem de uma nova ética.
A inspiração na Ética da Floresta, na Ética da natureza, no espírito da ética xamânica que nos ensina os nossos índios está mudando o paradigma da civilização atual e apontando novos caminhos para nossa vida. Isso se efetiva, por exemplo, nas praticas xamânicas mais urbanas espalhadas em inúmeros rituais religiosos de várias matizes e nos coletivos de cultura digital. E começa a ser debatido até mesmo dentro das grandes corporações que, vale lembrar, são “habitadas” por seres humanos que também sonham com uma vida melhor.
Assim como a Ética Protestante possibilitou o desenvolvimento do capitalismo (e vice-versa) o que esta acontecendo hoje é que a Etica Xamanica da Floresta esta possibilitando o surgimento da Economia Criativa. E que essa economia criativa é que vai superar os limites do capitalismo.
Temos que identificar os valores que já estão ocorrendo e analisar como eles se efetivam em instituições que já existem e já estão dando certo. Dessa forma teremos repertório conceitual e experiência acumulada para irradiar mais rapidamente essa nova energia e acelerar a revolução que o mundo já esta vivendo.


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