sábado, 7 de abril de 2012

Um homem, uma toca. Uma bibliotoca

Ele era pobre, mas tinha muitos livros
Demorou para casar, pois não queria se separar deles. Não era toda esposa que aceitava sua vida passada. Em seu pequeno apê o pequeno quarto dos fundos ficou apenas para eles. Os livros. Fez uma biblioteca tão apertada que chamou de bibliotoca!
Mal dava para se mexer lá dentro.
Ele não podia agachar de forma normal, pois batia o joelho na estante do meio. Foi assim que aprendeu a fazer scapate. Livro também é saúde.
Dentro da bibliotoca ele era um homem feliz! Só sentia falta de um pouco de ar e de sua amada esposa. Ela nunca entrava lá. Nunca.
A bibliotoca era mesmo muito apertada. Um dia, finalmente, conseguiu convencer a esposa a entrar nela. Ela entrou, apertada. Ele entrou depois, apertado. E fechou a saída.
Ela perguntou como sair da bibliotoca. Ele respondeu, tentando disfarçar sua imensa alegria: “Ficaremos presos aqui para todo o sempre”. Ele acordou nessa hora. Foi só um sonho.

Era um bom homem. Pacífico. Vivia para os livros. Tanto que a esposa o largou e novos livros puderam ocupar o quarto. E a bibliotoca seguia firme.

Um dia ele entrou na bibliotoca com o lanche do almoço em mãos. Lanchão dos bravo. Ele comia enquanto pesquisava. Já gordinho, sua barriga encheu ainda mais. Ele ficou entalado na bibliotoca. Fechou os olhos, queria acordar. Mas dessa vez não era um sonho.

Foram 2 dias, muito suor e 6 necessidades básicas (por cima e por baixo) que – para seu horror – tocaram em partes de alguns livros. Mas finalmente, após tanta limpeza conseguir desentalar. Com ajuda dos bombeiros ele saiu arrastando e derrubou vários livros. Dias depois ele condenara todo esse setor de livros entaladores de homem a morte em fogueira.

Não foi uma decisão fácil. Ele sabia que tinha um complô. Mas não sabia quais dos livros eram os culpados. Seriam todos? Ele entendeu o mal estar deles de viver em uma senzala tão apertada. Mas era necessário para continuarmos juntos. Decidiu conter a rebelião com força.

Foi assim que decidiu punir os mais próximos, os que foram seus carcereiros no momento da prisão. Explicou que não tinha provas contra eles, mas que, se nenhum livro confessasse, ele teria que punir alguém para dar exemplo. Seriam eles: os livros entaladores de homem.

O silêncio foi imenso e durou minutos. Nenhum livro se manifestou.
Foi assim, com tristeza imensa, que ele decidiu cumprir a sentença. Todo aquele setor de livros foi a fogueira. Inteiro, inteiro. Uma tristeza.
Mas a vida é assim mesmo... Cheia de sacrifícios.
Em sinal de pesar, no lugar aonde viviam os livros queimados, ele construiu um monumento em memória das vítimas.

Desiludido, decidiu viajar. Andou pelo mundo, mudando de roupas e de careca. Só uma coisa se manteve estável em sua vida: sua caixa de livros. A bibliocaixa. Seja aonde estiver a bibliocaixa flutuava a sua frente, amparada apenas por seus rígidos braços esticados ou pelo carinhoso colo que ele oferecia a seus filhinhos queridos. Ele nunca despachou a bibliocaixa. Afinal, ela não era bagagem.

Foram anos felizes, viagem atrás de viagem ao lado de sua bibliocaixa, com pequenas paradas para escolher os próximos livros que iriam passear. A bibliotoca era seu porto estável, e a bibliocaixa era sua unidade móvel.

Mas agora sua vida é a dor nas costas. Ele não pode mais levar sua bibliocaixa para passear.
Mas ele continua querendo viajar o mundo.
Seu novo sonho é bibliotoca móvel. Um container fino e comprido, nas dimensões do quarto, que pode ser carregado com ele aonde ele for. E com ele dentro.
Morreu assim: dentro da bibliotoca estável, sonhando com o dia em que ela seria móvel.

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