sexta-feira, 1 de julho de 2011

Saudades da propaganda (trecho de um romance antigão meu e nunca publicado, chamado Segurando os pratos)

O que eu mais sinto saudade são os slogans e jingles publicitários. Na época eu mesmo os criticava por incitarem o consumo mas nunca entendi que aquilo era materialização do sonho de uma sociedade unificada, que poderia ser integrada através do consumo de bugigangas. A publicidade era o culto do capitalismo. Hoje tenho saudade daqueles dias de união, daquele momento onde todos cantavam mesmas músicas, mesmos rimas e todos consumiam as mesmas coisas.
Na minha infância a publicidade foi extramente presente. Lembro-me da: Groselha vitaminada, Milani... Yahoo! É uma delícia, yahhoo. No leite (yahoo) no refresco e no lanche, yahoo”. Anos depois esse gritinho simpático da excelente groselha genuinamente nacional virou nome de um site da internet. Obviamente um site de capital virtual (eu pessoalmente nunca entendi o que é isso) e multinacional. Antropofagia ao contrário.
Lembro-me com tristeza do momento em que a propaganda começou a ser segmentada, propaganda na Rede Record começou a ser diferente de propaganda na Rede Globo, que era diferente de propaganda na TV a cabo, etc.. Até que chegou o dia em que os empresários perceberam que os pobres não consumiam mais nada além de contrabando do Paraguai em lojas de 1 real e que não adiantava mais anunciar nem na Record . Logo depois acabou os programas populares e os grupos empresáriais pararam de emissão de sinal para TV aberta - restando apenas a TV por assinatura.
Alguns grupos independentes tentaram utilizar o espaço vago para fazer programas alternativos. No começo eles cresceram com certa autonomia e experimentalismo Mas um dia a repressão chegou, foi rápida e extremamente violenta..
Os programas era acusados de incitar a violência e o sexo, de perverter as crianças, etc, etc... Em poucos dias centenas de video-makers foram assassinados e estúdios destruídos. Os principais suspeitos pelos assassinatos foi o Grupo por Qualidade na TV, movimento que começara anos atrás próximo a partidos de esquerda, mas que, naqueles dias, era dominado pela Juventude Politicamente Correta e pela Liga de Mães Solteiras mas com Moral. Ambos os grupos combatiam esses programas por considerarem que educavam mal as pobres crianças, (escrever depoimento: irmãozinhos mais novos dos jovens PC (sigla de Politicamente Correto) e filhos das MSM – Mães Solteiras mas com Moral). Os movimentos políticos de oposição, já armados na época não, ofereceram resistência pois os videomakers não eram militantes filiados. Eu, por sorte, era apenas um colaborador, nunca acreditei muito no movimento e fui poupado. Além disso na época eu estava muito mais preocupado com minha candidatura a presidente do Brasil.
Com o fim da emissão de sinal para TV abertas milhares de pobres começaram a tentar vender seus aparelhos de televisão. Foi um verdadeiro desespero. Os que perceberam que aqueles programas não iam durar muito, venderam logo suas TVs e ainda pegaram um pouco de dinheiro. Mas a maioria manteve sua TV em casa até o último instante, até ser exterminado o último grupo de produção independente. A maioria deles não conseguiu vender a TV para ninguém. Quando houve a reforma urbana e os pobres foram expulsos das cidades a maioria deixou as TVs no barraco e nas casas, e ela passou a fazer parte do cenário. Ao que parece foram derrubadas junto com as casas.

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