segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Ser mas não ser, eis o filão

Henrique Alberto de Costa Lima e Silva, mais conhecido como Zé da Silva, foi o maior não-ator da história das artes dramáticas nacionais. Atuou em mais de 800 trabalhos, entre peças, filmes, novelas e performances.
Silva teve uma vida difícil. Após não atuar por anos como playboy comedor de atrizes ele partiu para a não atuação mais dramática. Revelado por Fernando Meirelles e Fátima Toledo (dois precursores na utilização de não-atores profissionais) ele fez um não-sucesso imediato. A partir daí não-atuou em inúmeros papéis. Fascinado pela não-atuação shakeasperiana, Silva, fez grandes não-atuações de personagens clássicos como Ricardo III, MacBeth e Hamlet (aonde cometeu a famosa gafe-criativa: “Ser, mas não ser. Eis o filão”). Sua não atuação mais famosa foi em Romeu e Julieta, aonde não-atuou nos dois papéis, trocando de perucas com uma velocidade impar, tal como só um grande não-ator consegue fazer. Sua Julieta, mega feminina e delicada, foi considerada pela já senil Shakeasperóloga Barbara Heliodora a não-Julieta perfeita. Atuou também como não-cantor, não-interpretando muitas músicas clássicas, num estilo único e imediatamente reconhecível.
Sua fama se estendeu ao exterior. Ficou notório mundialmente quando recusou o Oscar de Melhor Ator, explicando que ele nunca atuou. Foi assim que surgiram as categorias de Melhor não Ator principal e Melhor não-ator coadjuvante, hoje fundamentais na premiação.
Silva foi também um estudioso. Sua tese não-academica “ Não-Atuação em Cinema e Televisão” investigou as bases a-historicas da não-atuação em rituais dionisíacos e no cinema neo-realista.
Preocupado com a não-profissionalização da categoria Silva criou o Sindicato de Não-Atores, que hoje é o maior sindicato do planeta, reunindo quase 60% da população brasileira existente fisicamente e uma quantidade ainda superior de não-atores falsos, que existem apenas em perfis do facebook.
Silva era também um homem ligado à educação. Criou o primeiro Curso Regular de Não-Atores que através de terapias altamente especializadas converteu milhares de atores a não-atores. O próprio ex-ator Wagner Moura (que tinha ficado viciado no refrão “ninguém sai”) só conseguiu superar seus cacoetes interpretativos após o curso de não-atuação organizado por Zé da Silva.
Silva é um símbolo para nosso país tropical. Representa nossa capacidade de trabalhar fingindo que não trabalha, de dominar fingindo que não domina, de SER fingindo que não é.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Piadas Paises Arabes

(serie de textos para twitter)
Inspirado no Brasil, Muamar Gaddafi lança campanha pela auto estima libanesa: "Sou ditador e não desisto nunca".
Extra! Extra! Achei uma solução para os Países Árabes dominados por ditadores! É o Curso Sarney de Transição Democrática Controlada.
Nosso mais antigo coronel bota uma burca e vai as Árabias ensinar aos ditadores a mágica de viver na democracia e ficar para sempre no poder.
Curso Sarney de Transição Democrática Controlada: é o Brasil ensinando ao mundo a mágica de conviver harmoniosamente em meio a dominação.

SOBRE VEADOS, POLITICOS E CINEASTAS

O cineasta é um intelectual que dá entrevistas sobre os filmes
Sempre achei estranho a palavra cineasta. O que mais termina com "asta"?
Entusiasta, pederasta..
“Cineasta” parece adjetivo. Qual profissão termina com asta? Será que ser cineasta não é uma profissão e sim uma “qualidade do meu ser”?
Cine-asta. Cine-rasta. Cine-astro. Cine-astro tem tudo a ver. No Brasil cine-asta é antes de tudo uma figura midiática: o cara que da entrevista sobre o filme.
Millor já dizia que política é o star system de gente feia. Cineasta é o star system para artista feio. Cineasta é o político pop.
Uma amiga lembrou outra profissão, além de cineasta, que termina com “asta”. Ginasta. Perdi, playboy.
Mas é uma exceção que confirma a regra. Cineasta está mais para ginasta do que para advogado e engenheiro.
Será que é porque, tal como os ginastas, o cineastas vivem fazendo malabarismos? O cineasta é o ginasta do cérebro.
No perfil me defini como ex-político. Mas aí lembrei do coronel Sarney dizendo na Globonews: política só tem porta de entrada, não tem de saída. Ai, que medo...
Será que não existe ex-político? Lembrei dos policiais de meu filme dizendo que não existe ex-puta. Uma vez puta, puta sempre serás!
Lista de coisas que não existe “ex”: político, puta, bandido, mafioso, vampiro, veado... Veado?
Essa é uma polêmica séria na Liga dos Machistas Homofóbicos Esclarecidos. Existe ex-veado? Ou uma vez veado, sempre veado?
A polemica segue. Se o cara deu só uma vez já é veado para todo o sempre? E se o cara deu e não gostou? Ainda assim é veado?
Isso do gostou é importante. Tenho um amigo ator que deu por anos, mas jura que não é veado. Pois nunca gostou. Deu só porque precisava.
Por outro lado tem cara que nunca deu , mas sempre teve vontade. Será veado?
É uma diferença filosófica. Como se define a identidade? Pelo “eu interior”, a alma? Ou pelas ações práticas na vida?
A primeira definição é francesa, a segunda é americana.
E a polêmica continua. E se o cara deu, mas parou de dar? Ainda assim continua veado? Veado é tipo o Flamengo? Uma vez flamengo, sempre flamengo!?
To tentando deixar de ser político. Mas que vicia vicia. Não é fácil. E não tem ajuda psiquiátrica pública para ex-políticos largarem o vício.
Somos uns viciados incompreendidos. Será que não existe o EPA? Ex-politicos-anônimos? Só espero que na sala lado não tenha o EVA: Ex-Veados-Anonimos.
Até imagino a sala do EVA: tipo boate de strip, cheia de Evas tentadoras tentando seduzir ex-veados melancólicos que dão depoimentos tristes.
O objetivo é converter o ex-veado em homem mesmo. Pois uma coisa é ser ex-veado, outra bem diferente é ser homem.
Outra coisa que vicia é ser cineasta. Como não é bem uma profissão, é um adjetivo que define o seu ser, a gente se apega a essa “identidade”.
Mesmo sem filmar há anos, mesmo vivendo de outras coisas (tipo produzir mostras), as pessoas ainda continuam se definindo como cineastas.
Seria bom ter um ECA. Ex-cineastas-anonimos. Muitos seriam até da ECA (Escola de comunicações e artes). Os ECA da ECA. Tenho vários amigos que precisam. Eu mesmo.
ECA, alias, sempre me lembrou MELECA. O Mel que ECA.
É duro admitir, mas acho que eu (e mais um monte) virou cineasta fascinado pela entrevista do Walter Salles. Achando que podia ser como ele e sem dar importância ao fato dele ser dono de banco.
É a imagem do intelectual midiático que fascina os jovens futuros cine-astros. E, no fundo, a gente pensa que uma hora vai dirigir (e comer) a Débora Secco.
Mas já foi a época que atriz dava para cineasta. Isso é anos 60, aonde artista-intelectual ainda tinha prestigio e existia musas como Helena Ignez. Agora, as Ignez atuais, são só alcoólatras desesperadas.
E as atrizes charmosas são empregadas da corporação televisiva. Elas começaram na malhação e cresceram em ambiente hermeticamente fechado: o PROJAC.
As atrizes atuais não dão para cineastas-intelectualizados. Dão para diretores de TV (ex-atores) no início e terminam casando com outros atores e/ou empresários.
O PROJAC é tipo um zoológico que concentra as melhores espécimes de nosso DNA tupiniquim. Elas fazem reprodução assistida.
E como é interesse da corporação, essas espécimes não podem reproduzir com cineastas-intelectualizados. Se o cara pensa muito, contamina o DNA ideal da beleza alienada corporativa.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

A tristeza do Dr. Alegria

O Doutor Alegria, coitadinho, vive de mau–humor. “Nada me deixa mais mau-humorado do que pessoas que não estão sempre alegres!”, explica ele.
Sempre bravo e irritado Dr.Alegria é, no entanto, um otimista. Ele tem sempre um plano para gerar um mundo mais alegre.
Um otimista e um batalhador. Mesmo com dificuldades financeiras, Alegria coordena equipes e lidera amigos deprimidos. Do alto de seu constante mau-humor da duras ordens para que todos fiquem mais alegres!
Dr.Alegria jamais aceitou a tristeza. E, portanto, jamais aceitou a si mesmo.
No passado, Alegria foi um químico maluco que queria a fórmula perfeita para vencer a depressão. Até que um dia, ele explodiu o laboratório. Nascia assim o dr. Alegria, o herói mau-humorado que luta contra a tristeza. Verdade ou mentira? Não se sabe. Mas para Alegria era verdade. Era seu mito de criação.
O fato é o Alegria desistira da química, mas não de sua luta. Alegria luta diariamente contra a tristeza. É obcecado por ela, aliás.
Quando há pessoas felizes a sua volta, Alegria nem nota. Mas basta ver um depressivo que ele parte para cima, tal como um cachorro bravo, dando ordens para que ele fique mais alegre.
Às vezes, à noite, Alegria sonha em chegar ao poder. Quem sabe ali, do alto, bem do alto, o Alegria conseguirá mudar o mundo. Ele se imagina no palanque discursando com ótima oratória: "No meu governo a alegria reinará. Nem se for à força!”. E nos seus pensamentos mais secretos, Alegria faz até o trocadilho: “Nem se precisar de forca!”.
Mas durante os dias, na prática mesmo, o Dr. Alegria esta sempre trabalhando. Sempre batalhando. Sempre tentando construir um mundo melhor. É hiper ativo e só descansa quando está completamente exausto.
E só fica exausto após um pilequinho. O fato é que o Dr. Alegria, coitadinho, nunca esta alegre; mas, vira e mexe, bebe. Beber é a mania do Dr. Alegria. Só a marvada pinga que lhe atrapalha.
É na ressaquinha que Alegria sai da hiperatividade e consegue, finalmente descansar um pouco.
Nesses dias de ressaca, o Dr. Alegria sai para andar no parque. Um lugar lindo, cheio de passarinhos, com crianças brincando e adultos praticando esportes. Mas Dr. Alegria não nota nada disso. Imerso em sua tristeza, Alegria não percebe a alegria ao seu redor.
Ele costuma passar caminhando ao lado de um parquinho, aonde dezenas de pais brincam com seus filhos. Mas ele não tem tempo para essas bobagens. Seu cérebro, ao ficar de ressaca, deixa de ser ativo, mas fica melancólico e reclamão. "Antigamente, o mundo era muito melhor", costuma pensar o Alegria.E, no exato momento em que ele lembra como em sua época as crianças eram mais felizes, uma bola de vôlei acerta sua cabeça. Alegria se assusta. Uma criança vem buscar a bola e corre em direção a Alegria. A criança vem sorrindo e seu olhar convida o Alegria para brincar. Pode ser algo simples, um chute estiloso, uma cena clownesca, qualquer coisa. A criança só pede um sinal, algo que consagre a brincadeira e a alegria. O Doutor, no entanto, ainda esta assustado com o choque e furioso por ter saído do transe. O Alegria olha bravo para a criança e chuta a bola sem vontade. Ainda tem tempo de pensar o quão perigoso pode ser andar no parque. "Já pensou se essa bola me acerta o cérebro?".
Além das análises macro-sociais, Dr. Alegria também cede a momentos mais melodramáticos. “Eu podia ter dado mais sorte”. “Eu merecia mais!!”, bradava o furioso cérebro tristonho do Dr. Alegria. “Eu podia ser um homem mais feliz, ter filhos, família.” “As mulheres nunca me deram bola!!”, reflete ele ao passar ao lado de um grupo de mulheres disponíveis que sorriem para ele.
Mas a ressaca e a tristeza passam logo logo. O Dr. Alegria é, antes de tudo, um forte. Ao fim da tarde, ele já esta hipermotivado e parte novamente para sua solitária batalha constante para chegar a Alegria perfeita.